Sabe quando você baixa um aplicativo e acha que conseguiu ver tudo que ele tinha pra te oferecer, mas ele te pede pra fazer uma assinatura ou algo assim pra você ter acesso a todas as funcionalidades?
As vezes, eu me sinto assim. E demorei pra reconhecer isso.
Minha essência, repleta de cores e matizes, não se revela de imediato pra todo mundo que cruza meu caminho. Precisa existir algum intercâmbio emocional, um investimento mútuo, para que eu desbloqueie e compartilhe as inúmeras camadas e complexidades que habitam essa cabecinha aqui.
Inicialmente, vou parecer assim: reservado, tímido, um observador silencioso. E conforme você ganha minha confiança e não demonstra julgamento enquanto abro as portas e te mostro os cômodos mais desorganizados, empoeirados, depravados e todas as minhas verdades mais cruentas que ali habitam, mais me abro e desbloqueio outros níveis e personalidades.
Essa grande casa cheia de cômodos é uma das formas que eu enxergo a minha psique. Acontece que, ao invés de tijolos, essa casa é feito das casquinhas que eu fui forjando ao longo dos anos. E, agora, as portas se tornaram muito seletivas em quem ou o quê interage com o mundo exterior.
Acho que todo mundo tem um pouco disso. Se você interage com alguém do trabalho ou faz uma entrevista, certamente essas pessoas terão contato com a sua versão mais polida, inteligente e bem-humorada. Sua persona de trabalho não é a mesma persona que xaveca alguém no Tinder e isso são apenas fatos. Mas acho que isso aqui é algo um tico mais profundo que isso…
Uma verdade que eu acho dura de admitir: eu simplesmente não consigo ser 100% eu com alguém que eu acabei de conhecer e eu invejo qualquer pessoa que não sinta essas amarras quando interage com alguém pela primeira vez.
E o fato de que pesquisadores já conseguiram provar cientificamente que, de fato, a primeira impressão é a que fica, é algo que com certeza adiciona um peso característico a essa equação.
“Para, né? Eu sou assim. Se quiser, ótimo. Se não quiser, vaza!”
Ah é? Será mesmo? Será que a gente tá pronto pra mostrar nossa essência pra qualquer um, de peito aberto, e caso isso gere o mínimo de rejeição, isso tem zero impacto na nossa auto-estima e a nossa percepção sobre nós mesmos?
Se você é assim, por favor, faça um favor a si mesmo e a sociedade e comece a vender cursos na Hotmart.
Minha hipótese é de que a gente é naturalmente assim: me ame ou me odeie, é isso aqui que eu sou. Mas eu aposto que depois de tanto soco, decepção, ghosting e tudo que há de pior na interação entre pessoas, você vai começar a se questionar se essa estratégia tá mesmo dando certo.
E afinal, vale o gasto de tempo e energia pra mostrar seu verdadeiro eu pra qualquer um?
Se pudesse recuperar o tempo gasto tentando me revelar a quem não merecia, certamente o usaria de outra forma agora. Tic, tac. Tic, tac.
Quando olho para o núcleo da minha psique, quem eu vejo morando nessa casa mal-assombrada cheia de portas é uma criança que, no fundo, só quer ser amada. Quer tapinha nas costas, carinho, admiração. Quer ouvir que fez um bom trabalho. Quer ficar debaixo da coberta, tomar leite com nescau e assistir os padrinhos mágicos. Quer ouvir que tá tudo bem ser indulgente de vez em quando e que ninguém é perfeito.
E é por isso que não tem momento mais catártico do que sair com quem eu gosto de verdade e deixar essa criança correr solta pra ser feliz. Vai lá: fala palavrão, brinca, dança, imita a voz do Mickey.
Não tem julgamento. Só paz, diversão, amor, acolhimento.
Queria algum dia que essa criança fosse livre de verdade. Esquece todos os tapas na cara que já levou, bullying que sofreu por ser isso demais, aquilo de menos…Sem filtros. Só a versão premium. De graça, pra quem quiser e tiver a fim.
Mas embora eu saiba que não é todo mundo que tem acesso a essa versão sem amarras e que eu também não tô disposto a mostrá-la pra qualquer um, tenho uma outra convicção ainda mais forte: eu não quero mais ser aceito por quem não me aceita de verdade.
Se você só mostra suas partes perfeitas e idealizadas pra quem tá te conhecendo, sem abrir as portas que mostram sua própria obscuridade, encare os fatos. Essa pessoa não te aceita de verdade. No máximo, ela se apaixonou pelo teatro de perfeição que você desempenhou.
Hoje, eu quero na minha vida quem teve acesso a versão premium e viu que ela é bugada, cheia de vírus, tá toda fudida e capenga. E ainda assim, tá de boa. Ela aceita. Não quer mudar nada. Afinal, tá só de passagem. Não vai mandar resenha na loja de aplicativo reclamando e pedindo o dinheiro de volta.
Tá suave. Afinal, fica só os “de verdade”.
Conforme eles ficam e vão, essa redoma de vidro lá dentro vai se rompendo. Bem da verdade, essa casa mal-assombrada cheia de portas nem é tão assombrosa assim. Se não é todo mundo que escolhe ver e acolher o que viu, eu acolho, tá de boa. Ou no mínimo, levo ali na terapia pra dar uma volta.
E aos poucos, essa criança interior vai recebendo seu afago, seu abraço, pouco a pouco, vira e mexe.
Criança tolinha… corre solto, fi. Que o tempo aqui é curto.
Que texto!
♥️🥹
toc toc